domingo, fevereiro 11, 2007

Resposta a Frei Bento Domingues


Frei Bento Domingues escreveu um artigo pelo menos polémico. Vindo donde vem nem é de admirar!...

Fica aqui a resposta que lhe deu no Público o conhecido Jesuíta P. António Vaz Pinto:

Importante, para todos, é informar e formar a consciência para que cada um possa decidir e agir em conformidade com a recta razão que é a norma ética. E é aqui que nos devemos situar: o que é conforme à razão, às exigências de natureza humana individual e colectiva?

Ao regressar ao Porto, domingo à noite, debrucei-me sobre a crónica de Frei Bento Domingues, O.P., "Por opção da mulher", como tantas vezes faço e tantas vezes com tanto gosto e proveito... Infelizmente, desta vez, brotou em mim a desilusão, a discordância e a necessidade imperiosa de lhe responder, no contexto de polémica instalada no país, mas muito para lá dela...Limitado pelo tempo e pelo espaço, irei cingir-me a três tópicos referidos na sua crónica, que considero os mais importantes:
1. Consciência e norma ética.Pode ser útil referir Aristóteles, S. Tomás de Aquino ou J. Ratzinger, o actual Papa, para relembrar que a suprema instância de decisão ética para o cristão, acima da própria suprema autoridade eclesiástica, o Concílio ou o Papa, é a consciência individual. É doutrina mais que tradicional. Mas é bom ter presente que este princípio não vale apenas para a questão do aborto; se alguém se afirmar, cristão e simultaneamente, em consciência, defensor da escravatura, da pedofilia ou do racismo, que lhe dirá Frei Bento? Que lhe pode opor? Fica entregue a si próprio e a Deus...
Importante, para todos, é informar e formar a consciência para que cada um possa decidir e agir em conformidade com a recta razão que é a norma ética. E é aqui que nos devemos situar: o que é conforme à razão, às exigências de natureza humana individual e colectiva?
2. A problemática jurídica e penal e os limites da tolerância.Numa sociedade laica e plural como é a nossa - e estou muito contente que assim seja -, os cristãos ou a Igreja não devem nem podem impor a sua "visão" aos outros membros da sociedade. Mas, tal como os membros de outras confissões, agnósticos e ateus, têm todo o direito e até o dever de propor valores e princípios, na busca de um denominador comum que permita a convivência, nunca totalmente pacífica, em sociedade...
É precisamente disso que se trata: o ordenamento jurídico de uma dada sociedade, incluindo o ordenamento penal, tem pressupostos e valores donde brotam as diversas normas. Por exemplo, em Portugal, é proibido o roubo, o homicídio, o racismo, a difamação, etc. Quer isto dizer que a sociedade portuguesa, através dos seus legítimos representantes, legisladores, assume como valores e pressupostos a propriedade, a vida humana, a igualdade racial, o bom nome, etc., consagrando-os como "bens jurídicos", a preservar e defender.


Essa é que é a questão que se coloca a todos nós, no próximo referendo: independentemente da nossa religião (ou ausência dela) em que modelo de sociedade queremos viver? Que valor consideramos maior? A vida humana, raiz de toda a dignidade e de todos os direitos, "inviolável", como diz a nossa própria Constituição (Artº 24, n. 1), ou consideramos que outros valores, vg. saúde, segurança, não humilhação, valem mais do que a própria vida?Dir-se-á: mas ninguém é obrigado a abortar; proibir o aborto é impor aos outros as nossas convicções: proibir a escravatura, o racismo e a pedofilia também é impor as nossas convicções àqueles que pensam doutra maneira... ou será que essas proibições devem desaparecer do Código Penal? Em cada momento, cada sociedade faz escolhas de carácter ético e, embora possa e deva, nas nossas sociedades pluralistas, deixar largas margens de liberdade e não se intrometer na vida e moral privada de cada um, tem de assegurar as normas jurídicas mínimas de convivência social. Quando a liberdade de um colide com a vida e a liberdade de outro, a sociedade pode e deve fazer escolhas e estabelecer limites. E estas escolhas são feitas sabendo-se de antemão que haverá quem não concorde, que haverá sempre maioria e minoria....


O pluralismo não pode ser ilimitado e a própria tolerância levada ao extremo autodestrói-se...


3. "Por opção da mulher"Ao contrário da actual lei - com a qual não concordo, evidentemente (mas que tem o mérito de manter o princípio do respeito pela vida humana e da ilicitude do aborto, apenas abrindo excepções por razões ponderosas) - o que é proposto na pergunta agora colocada a referendo, embora se refira apenas a "despenalização do aborto", corresponde a uma realidade totalmente diferente: desde que praticado em estabelecimento de saúde autorizado e até às dez semanas, a prática do aborto, de facto e de direito, fica totalmente liberalizada e até financiada, dependendo apenas da vontade da mulher. Até às dez semanas, é o total arbítrio...Será isto justo, saudável, estará de acordo com os fundamentos do modelo de sociedade, defensora dos direitos humanos e da dignidade da vida humana, que demorou tantos séculos a construir?Se é certo que a mulher, na sociedade e na Igreja, foi e continua a ser injustamente discriminada, não parece sensato nem justo que se introduza agora uma discriminação positiva, em favor das mulheres, no campo jurídico e penal... O ser humano - homem e mulher - é capaz do pior e do melhor - sem distinção de sexo... Apesar de saber bem o rol de sofrimento da mulher que muitas vezes acompanha a prática do aborto, as pressões, sociais, familiares e afectivas a que está sujeita (muitas vezes do próprio homem que contribuiu para a concepção do feto), entregar à mulher, em total arbítrio, a decisão de vida ou de morte de um ser humano não é justo nem democrático. E diria exactamente o mesmo, é evidente, se o homem fosse o decisor...


Caro Frei Bento, espero encontrá-lo na próxima curva da nossa história, do mesmo lado, o lado da defesa dos direitos humanos, sem sim, nem mas...

6 comentários:

Maria João disse...

Pelos vistos, os portugueses acham que a liberdade é ter um poder absoluto sobre o filho que uma mulher traz na barriga. Ou seja, outro ser que deveria ter direitos e não tem.

Marco Oliveira disse...

Leste o último numero da revista Le Monde des Religions?
Tem uma sondagem e várias reportagens muito interessantes sobre o catolicismo em França

Ver para crer disse...

Marco:
Obrigado pela informação.
Creio que nós aqui em Portugal ainda estamos longe do panorama religioso da França: Em 2001 iam em média à missa mais de 20 por cento das pessoas maiores de 7 anos residentes em Portugal, sem descontar os doentes e outras pessoas impossibilitadas - o que era ainda uma prática bastante razoável.
Claro que nem todos os que se dizem católicos o são, mesmo nas crenças fundamentais.
E isso até está expresso neste referendo.
Coisas como casamentos de padres e ordenação de mulheres, assim como uso de métodos anticoncepcionais não muito bem vistos pela hierarquia da Igreja já são mais secundárias.

Anónimo disse...

Não conheço o texto do Frei Bento Domingues mas gostava de o conhecer.
Será que alguém mo pode facultar?!

Ver para crer disse...

Maria João:
Achei interessante a quase unanimidade de oposição ao SIM manifestada nos blogues cristãos.
E o mesmo nas posições expressas pelos padres e bispos.
Uma "unanimidade" destas só nos vem mostrar que o aborto é uma questão que nos une e não nos divide.
Muitos apoiantes do sim fizeram também saber que a sua luta era a favor da despenalização e não do aborto.
Vamos ver agora o que se vai passar. Até pode ser que as coisas melhorem!...

Marlene Maravilha disse...

Passei para deixar um grande BEIJO, e tomara que as coisas melhorem por aí em relação a este assunto ABORTO. Eu voto na VIDA.
do Brasil,